O XUKALHO

Blogue para "axukalhar" as memórias...e não só.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O GATO E O GOLFINHO

SE O REINO DOS HOMENS FOSSE IGUAL AO DOS ANIMAIS....!!!

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CARTA ABERTA A RICARDO PEREIRA



Exmo. Senhor Ricardo Pereira,

Li ontem, com toda a atenção, o artigo que escreveu na última edição da "Visão". Versa o excelso artigo produzido sobre o tema que agora está na moda: Quais os Portugueses que mais se evidenciaram ao longo da nossa história. Ensaia V. Exa. ao longo do mesmo artigo um conjunto de afirmações sobre Oliveira Salazar: Começa por afirmar a sua admiração pela sua inclusão na famosa "Lista", compara-o a Adolfo Hitler e termina, afirmando, que se Salazar ganhasse o concurso seria a primeira vez que teria ganho umas eleições democraticamente. Perante o estilo leviano do artigo e a piadinha fácil, não me surpreende a comparação com A. Hitler. Surpreende-me, isso sim, que se tenha esquecido do óbvio. O tal Adolfo foi eleito democraticamente na Alemanha. E democraticamente eleito conquistou quase toda a Europa e democraticamente eleito ordenou o holocausto. Numa guerra onde morreram milhões e milhões de Europeus. Conclusão óbvia: As eleições, mesmo as "democráticas" valem o que valem. Nesta guerra não morreram Portugueses em combate. Sabe o Exmo. Senhor a quem deve tal feito: Pois é! Ao tal que não foi democraticamente eleito. • Sabe o Exmo. Senhor os esforços diplomáticos que foram feitos para evitar a entrada de Portugal na Guerra? • Sabe quem gizou diariamente a estratégia? Sabe os riscos que corremos? As pressões que sofremos? • Estimará quantos mortos morreriam se tivéssemos entrado briosamente no conflito? Muitos de nós hoje não estaríamos cá, pois os nossos pais ou avós teriam certamente tombado em combate! • Sabe o estado em que Salazar herdou o país após a espantosa 1ª República, que é tanto admirada pela família Soares? Eleita democraticamente claro está! • Sabe a que estado de miséria chegou o povo que em 1928 abominava os partidos políticos, os quais os considerava os criminosos responsáveis pelo estado de ruína a que o país se encontrava. • Sabe quem delineou, pela primeira vez, a viragem para a actual U.E.? Pois é: O tal que não foi democraticamente eleito. Vá verificar, caro amigo. Leia. Sabe quem nunca fez obra? O que mandou construir a Ponte sobre o Tejo, a barragem de Castelo de Bode, o Aeroporto da Portela. Sabe quem nunca abandonou 1 milhão de Portugueses nas ex-colónias à sua sorte/morte? Pois é, pois é. Fácil foi fazer como se fez a seguir ao 25 de Abril. Fugir é sempre fácil. Além de ser próprio dos fracos. Sabe quem morreu na miséria, tendo servido a causa pública sem receber uma atenção, uma recompensa, um prémio, uma benesse, uma jóia, um diamante? Sabe quem foi íntegro no exercício do poder? Pois é, pois é. Se V. Exa. tem dúvida que Salazar ganharia todas as eleições durante o período que esteve no poder, está muitíssimo mal informado. Leia. Estude sobre a época. Que era alérgico a elas. Sem dúvida. E com razão, a meu ver. Estude a 1ª República. Os governos que se sucederam. O desgoverno que se atingiu. Vem daí a alergia. E quanto à censura: Pois. E a informação que temos hoje? Eu prefiro a censura. Evitaria ter de ler, por exemplo, o que tão infantilmente escreveu. Numa palavra: Não escreva sobre o que não sabe. E ainda tem uma surpresa. Num país infestado pela corrupção, pela mediocridade e pela ambição desmedida pelo poder na busca da corrupção, eu voto no Salazar. E não serei o único. Garanto-lhe. Cumprimentos do,

Pedro Mota

PS: Não tenho 100 anos. Tenho 43. Não vivi no tempo da "maldita" Ditadura. Ao invés, li e estudei muito sobre ela. Não me atrevo a sugerir tal. A ignorância neste país é desmedida. Não fuja, pois, à regra.

Retirado: Revista Visão.

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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

UMA RAIVA A NASCER-ME NOS DENTES


Sr. primeiro-ministro, depois das medidas que anunciou sinto uma força a crescer-me nos dedos e uma raiva a nascer-me nos dentes, como diria o Sérgio Godinho. V.Exa. dirá que está a fazer o que é preciso. Eu direi que V.Exa. faz o que disse que não faria, faz mais do que deveria e faz sempre contra os mesmos. V.Exa. disse que era um disparate a ideia de cativar o subsídio de Natal. Quando o fez por metade disse que iria vigorar apenas em 2011. Agora cativa a 100% os subsídios de férias e de Natal, como o fará até 2013. Lançou o imposto de solidariedade.
Nada disto está no acordo com a troika. A lista de malfeitorias contra os trabalhadores por conta de outrem é extensa, mas V.Exa. diz que as medidas são suas, mas o défice não. É verdade que o défice não é seu, embora já leve quatro meses demanifesta dificuldade em o controlar. Mas as medidas são suas e do seu ministro das Finanças, um holograma do sr. Otmar Issing, que o incita a lançar uma terrível punição sobre este povo ignaro e gastador, obrigando-o a sorver até à última gota a cicuta que o há-de conduzir à redenção.
Não há alternativa? Há sempre alternativa mesmo com uma pistola encostada à cabeça. E o que eu esperava do meu primeiro-ministro é que ele estivesse, de forma incondicional, ao lado do povo que o elegeu e não dos credores que nos querem extrair até à última gota de sangue. O que eu esperava do meu primeiro-ministro é que ele estivesse a lutar ferozmente nas instâncias internacionais para minimizar os sacrifícios que teremos inevitavelmente de suportar. O que eu esperava do meu primeiro-ministro é que ele explicasse aos Césares que no conforto dos seus gabinetes decretam o sacrifício de povos centenários que Portugal cumprirá integralmente os seus compromissos — mas que precisa de mais tempo, melhores condições e mais algum dinheiro.
Mas V.Exa. e o seu ministro das Finanças comportam-se como diligentes diretores-gerais da troika; não têm a menor noção de como estão a destruir a delicada teia de relações que sustenta a nossa coesão social; não se preocupam com a emigração de milhares de quadros e estudantes altamente qualificados; e acreditam cegamente que a receita que tão mal está a provar na Grécia terá excelentes resultados por aqui. Não terá. Milhares de pessoas serão lançadas no desemprego e no desespero, o consumo recuará aos anos 70, o rendimento cairá 40%, o investimento vai evaporar-se e dentro de dois anos dir-nos-ão que não atingimos os resultados porque não aplicámos a receita na íntegra.
Senhor primeiro-ministro, talvez ainda possa arrepiar caminho. Até lá, sinto uma força a crescer-me nos dedos e uma raiva a nascer-me nos dentes.

Nicolau Santos, Expresso, 15/10/2011

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

VOAR MAIS ALTO

OS LUSIADAS (SECULO XXI)


I
As sarnas de barões todos inchados
Eleitos pela plebe lusitana
Que agora se encontram instalados
Fazendo aquilo que lhes dá na gana
Nos seus poleiros bem engalanados,
Mais do que permite a decência humana,
Olvidam-se de quanto proclamaram
Em campanhas com que nos enganaram!

II
E também as jogadas habilidosas
Daqueles tais que foram dilatando
Contas bancárias ignominiosas,
Do Minho ao Algarve tudo devastando,
Guardam para si as coisas valiosas…
Desprezam quem de fome vai chorando!
Gritando levarei, se tiver arte,
Esta falta de vergonha a toda a parte!

III
Falem da crise grega todo o ano!
E das aflições que à Europa deram;
Calem-se aqueles que por engano…
Votaram no refugo que elegeram!
Que a mim mete-me nojo o peito ufano
De crápulas que só enriqueceram
Com a prática de trafulhice tanta
Que andarem à solta só me espanta.

IV
E vós, ninfas do Coura onde eu nado
Por quem sempre senti carinho ardente
Não me deixeis agora abandonado
E concedei engenho à minha mente,
De modo a que possa, convosco ao lado,
Desmascarar de forma eloquente
Aqueles que já têm no seu gene
A besta horrível do poder perene!

Luiz Vaz mais Lixado


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sábado, 15 de outubro de 2011

Vencer não é um hábito português

Mesmo querendo ser positivo e contrariar o pessimismo, uma coisa parece-me evidente, reflectindo sobre nós e os nossos modos: vencer é um hábito mas não é um hábito que tenhamos na nação. Infelizmente. A resignação sim, é uma rotina nossa, uma coisa vivida, entranhada e, normalmente, acompanhada da desculpa - que é a culpa que não é a mea mas antes a tua.

Campeonatos da Europa? Nem um. Óscares ou Palmas de ouro? Nada. Ouro nos Olímpicos? Pouquinhos. Nobeis? Dois. Campeonatos do mundo? Zero.

Vencer só se consegue com rotinas, as rotinas que nos levam a repetir os mesmos gestos, a mesmas atitudes e nos tornam vencedores. Quando é um hábito, consegue-se vencer mesmo sem talento, pois a vontade, quando é muita, arranja sempre um atalho para a vitória.

Eu entendo a desistência quando se está cansado ou se é velho ou doente ou quando se foi espremido até ao fim e já não há mais nada no tanque. Mas não entendo a resignação juvenil. Não entendo os badochas mentais, essa gente que não luta, que baixa os braços e tem por hábito desistir de ganhar.

Este texto nasceu da óbvia raiva de termos perdido com a Dinamarca. “Como é possível!” exclamava um amigo com quem via o jogo. É possível porque vencer não está em nós nem nas nossas organizações. A pressão é para a resignação, para a manutenção do status quo e vem sempre de cima, dos líderes, dos políticos, do nosso empresariado, dos nossos intelectuais, todos adeptos de manter as coisas como estão, nos seus precários e pobres equilíbrios.

Não se luta, em Portugal ou luta-se pouco. Lutar, então quando se ganha, é um comportamento mal visto e olhado de lado por todo o lado. É visto como comunista pela direita, a não ser que se seja de direita; aí é visto como perigoso e neo-liberal ao serviço de “interesses”. É visto como possidónio e arrivista por quem se sente, e senta, no topo da hierarquia social ou como um traidor à classe, gananciosos e wanna be por quem está em baixo resignado ao imobilismo. Lutar e ganhar é, em Portugal, má educação.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A INDIGNAÇAO DA IGREJA CONTRA AS MEDIDAS TOMADAS PELO GOVERNO

D. JANUARIO TORGAL FERREIRA E O ORÇAMENTO 2012 (14.10.2011)

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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O PESADELO


Será que o sr. Cavaco Silva que manda privar,pela polícia, praia pública no Algarve, para ele e a família se poderem banhar livremente sem serem incomodados pelos povo...será que o sr. Passos Coelho e deputados também vão ficar sem Subsídios de Férias e Natal por dois anos??? Será que os Deputados depois de 8 anos (alguns anedóticos) passados na Assembleia da República continuarão a ter reformas a 100%??? Será que estes e alguns dos Gestores Públicos, mediante a aflição em que se encontra este Estado de Direito seriam homens capazes de tomar a medida que o sr. Dr. Oliveira Salazar em 29.4.1928 fez "Salazar corta em 25% ao vencimento para dar o exemplo..."???? O Povo o mais sacrificado no meio desta crise que não contribui em nada para ela é quem vai pagar os dividendos das mordomias que estes altos cargos continuarão a beneficiar. Não sou saudosista mas perante estes factos não tenho argumentos...

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terça-feira, 11 de outubro de 2011

De Engenheiro a Médico



Há factos vividos por mim ao longo deste meu percurso de vida, que ao passá-los para o papel sinto que os revivo, com a mesma intensidade e lucidez como se tivessem acontecido ontem.
Viajando no tempo até aos anos 60. Estou em crer que foram dos anos mais ricos, não em tudo mas quase arriscaria a empregar a palavra “quase” tudo, na música, na independência cultural, cívica e sei lá quantas coisas mais…
Preparava-se o meu irmão para fazer o seu exame do 7º. Ano do Liceu o que o levaria depois, caso ficasse apto, a passar para a Faculdade.
Nunca seria problemático, porque como bom aluno que era, uma reprovação nunca se pôs como hipótese. Meu pai como sonhava que o filho fosse um Engenheiro (isto dos pais quererem sempre que os filhos sejam médicos ou engenheiros era e é natural, embora o meu nunca nos incutisse essas vaidades, sempre nos dizia que mais valia um bom sapateiro que um mau médico…) no entanto comprara-lhe um estojo de desenho do melhor que havia no mercado, sim, porque servir-lhe-ia para mais tarde.
Cá para nós, eu nunca vira o meu irmão como médico, recordo-me, no entanto, como transformara parte da nossa garagem num estúdio de experiências físicas, químicas e como me contratara como “ajudante de campo” para os seus estudos práticos de Ciências Naturais, eu que nunca tive apetência para ver sangue e ainda hoje sinto horror às batas brancas.
Mas como o meu irmão precisava duma ajudante , lá estava eu… Tinha que estudar uma rã e havia que a dissecar. Ainda me recordo dum frasco de compota vazio, bem lavado, onde metera previamente algodão embebido em clorofórmio, e de seguida instalara lá o animalzinho, tapando-o de seguida com uma rolha de cortiça.
Primeiro passo, anestesia, o resto não vos vou castigar com o andamento da operação, consequentemente a “paciente” não sobreviveu e o “médico” ficou com a marca do bisturi, porque a aselha da “contratada” não prendera bem a pata do batráquio.
Para quem vive em qualquer ponto do país a inscrição na Faculdade tinha que ser feita presencial, na capital, então Lourenço Marques (Maputo). E para lá partiu o nosso futuro engenheiro, com um fatinho todo “à maneira” para a “cidade grande”…para um jovem da sua idade 16 anos…a sua primeira viagem de avião “a solo” era uma aventura fantástica
.
No dia seguinte de manhã, bem cedo, sim, porque naquelas terras a vida começa às 7 horas da manhã, estávamos na sala de jantar, preparando-nos para tomar o “matabicho” = pequeno almoço e aguardando que o futuro universitário se apresentasse para o fazermos em conjunto, quando apareceu com aquele sorriso de boa disposição que sempre lhe conheci. Então o nosso pai perguntou:
- Filho, como correu ontem o teu dia? Tudo bem? Havia muitos colegas para Engenharia aqui da Beira?
- Não sei pai. È que eu não me inscrevi em Engenharia, senti que me chamava a Medicina e na verdade pai, este País precisa mais de Médicos do que Engenheiros.

E o Verão nunca mais Acaba

E o Verão nunca mais acaba....

sábado, 8 de outubro de 2011

TEMPOS DE ILUSÕES

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O URSO

A luta pela sobrevivência, impressionante, quando tudo parece estar perdido...há sempre uma luz ao fundo do túnel... um porto de abrigo.

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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

PRIVATIZAÇÃO DA ÁGUA...

Com tantas privatizações será que alguma vez vamos passar por um situação como esta? Convido-vos a ver este filme. De motins não nos livramos já.

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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

ÁFRICA E A SUA MÚSICA - ANDRÉ RIEU

Não se admire... África também é isto...

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MEMÓRIAS DE UMA AULA DE JOSÉ AFONSO



Pela grande admiração que nutri e nutro por este Homem que com a sua maneira de estar na vida abanou o velho regime, pelo professor que infelizmente não tive mas gostaria de ter tido, pelos poemas e músicas que fabricou e animaram todas as gerações, um simples tributo a José Afonso ou Zeca Afonso como era mais conhecido.


Barreiro, 4 de Outubro de 1967 (Quarta-feira)

Segundo dia de aulas. Continua o desassossego, com o pessoal a trocar beijos, abraços e confidências, depois desta longa separação que foram 3 meses e meio de férias. Estávamos todos fartos do verão, com saudades uns dos outros. A sala é a mesma do ano passado, no 1º andar e cheirava a nova, tudo encerado e polido, apesar do material já ser mais do que velho. Somos o 7.º A e como não chumbou nem veio ninguém de novo, a pauta é exactamente igual à do ano passado. Eu sou o n.º 34, e fico sentada na segunda fila, do lado da janela, cá atrás, que é o lugar dos mais altos. Hoje tivemos, pela primeira vez, Organização Política e apareceu-nos um professor novo, acho que é a primeira vez que dá aulas em Setúbal, dizem que veio corrido de um liceu de Coimbra, por causa da política. Já ontem se falava à boca cheia dele, havia malta muito excitada e contente porque dizem que ele é um fadista afamado. Tenho realmente uma vaga ideia de ouvir o meu tio Diamantino falar dele, mas já não sei se foi por causa da cantoria se por causa da política. A Inês contou que ouviu o pai comentar, em casa, que o homem é todo revolucionário, arranja sarilhos por todo o lado onde passa. Ela diz que ele já esteve preso por causa da política, é capaz de ser comunista. Diferente dos outros professores, é de certeza. Quando entrou na sala, já tinha dado o segundo toque, estava quase no limite da falta. Entrou por ali a dentro, todo despenteado, com uma gabardine na mão e enquanto a atirava para cima da secretária, perguntou-nos: - Vocês são o 7.º A, não são? Desculpem o atraso mas enganei-me e fui parar a outra sala. Não faz mal. Se vocês chegarem atrasados também não vos vou chatear. Tinha um ar simpático, ligeiro, um visual que não se enquadrava nada com a imagem de todos os outros professores. Deu para perceber que as primeiras palavras, aliadas à postura solta e descontraída, começavam a cativar toda a gente. A Carolina virou-se para trás e disse-me que já o tinha visto na televisão, a cantar Fado de Coimbra. Realmente o rosto não me era estranho. É alto, feições correctas, embora os dentes não sejam um modelo de perfeição e é bem parecido, digamos que um homem interessante para se olhar. O Artur soprou-me que ele deve ter uns 36 anos e acho que sim, nota-se que já é velho. Depois das primeiras palavras, sentou-se na secretária, abriu o livro de ponto, rabiscou o que tinha a escrever e ficou uns cinco minutos, em silêncio, a olhar o pátio vazio, através das janelas da sala, impecavelmente limpas.
Enquanto ele estava nesta espécie de marasmo nós começámos a bichanar uns com os outros, cada um emitindo a sua opinião, fazendo conjecturas. Às tantas, o bichanar foi subindo de tom e já era uma algazarra tão grande que parece tê-lo acordado. Outro qualquer professor já nos teria pregado um raspanete, coberto de ameaças, mas ele não disse nada, como se não tivesse ouvido ou, melhor, não se importasse. Aliás, aposto que nem nos ouviu. O ar dele, enquanto esteve ausente, era tão distante que mais parecia ter-se, efectivamente, evadido da sala. Quando recomeçou a falar connosco, em pé, em cima do estrado, já tinha ganho o primeiro round de simpatia. Depois, veio o mais surpreendente:
- Bem, eu sou o vosso novo professor de Organização Política, mas devo dizer-vos que não percebo nada disto. Vocês já deram isto o ano passado, não foi? Então sabem, de certeza, mais que eu. Gargalhada geral. - Podem rir porque é verdade. Eu não percebo nada disto, as minhas disciplinas, aquelas em que me formei, são História e Filosofia, não tenho culpa que me tivessem posto aqui, tipo castigo, para dar uma matéria que não conheço, nem me interessa. Podia estudar para vir aqui desbobinar, tipo papagaio, mas não estou para isso. Não entro em palhaçadas. Voltámos a rir, numa sonora gargalhada, tipo coro afinado, mas ele ficou impávido e sereno. Continuava a mostrar um semblante discreto, calmo, simpático. - Pois é, não vou sobrecarregar a minha massa cinzenta com coisas absolutamente inúteis e falsas. Tudo isto é uma fantochada sem interesse. Não vou perder um minuto do meu estudo com esta porcaria. Começámos a olhar uns para outros, espantados; nunca na vida nos tinha passado pela frente um professor com tamanha ousadia. - Eu estudaria, isso sim, uma Organização Política que funcionasse, como noutros países acontece, não é esta fantochada que não passa de pura teoria. Na prática não existe, é uma Constituição carregada de falsidade. Portugal vive numa democracia de fachada, este regime que nos governa é uma ditadura desumana e cruel. Não se ouvia uma mosca na sala. Os rostos tinham deixado cair o sorriso e estavam agora absolutamente atónitos, vidrados no rosto e nas palavras daquele homem ímpar. O que ele nos estava a dizer é o que ouvimos comentar, todos os dias, aos nossos pais, mas sempre com as devidas recomendações para não o repetirmos na rua porque nunca se sabe quem ouve. A Pide persegue toda a gente como uma nuvem de fumo branco, que se sente mas não se apalpa.
- Repito: eu não percebo nada desta disciplina que vos venho leccionar, nem quero perceber. Estou-me nas tintas para esta porcaria. Mas, atenção, vocês é outra coisa. Vocês vão ter que estudar porque, no final do ano, vão ter que fazer exame para concluírem o vosso 7.º ano e poderem entrar na Faculdade. Isso, vocês tem que fazer. Estudar. Para serem homens e mulheres cultos para poderem combater, cada um onde estiver, esta ditadura infame que está a destruir a vossa pátria e a dos vossos filhos. Vocês são o amanhã e são vocês que têm que lutar por um novo país. Não vão precisar de mim para estudar esta materiazinha de chacha, basta estudarem umas horas e empinam isto num instante. Isto não vale nada. Eu venho dar aulas, preciso de vir, preciso de ganhar a vida, mas as minhas aulas vão ser aulas de cultura e política geral. Vão ficar a saber que há países onde existem regimes diferentes deste, que nos oprime, países onde há liberdade de pensamento e de expressão, educação para todos, cuidados de saúde que não são apenas para os privilegiados, enfim, outras coisas que a seu tempo vos ensinarei. Percebem? Nós temos que aprender a não ser autómatos, a pensar pela nossa cabeça. O Salazar quer fazer de vocês, a juventude deste país, carneiros, mas eu não vou deixar que os meus alunos o sejam. Vou abrir-lhes a porta do conhecimento, da cultura e da verdade. Vou ensinar-lhes que, além fronteiras, há outros mundos e outras hipóteses de vida, que não se configuram a esta ditadura de miséria social e cultural.
Outra coisa: vou ter que vos dar um ponto por período porque vocês têm que ter notas para ir a exame. O ponto que farei será com perguntas do vosso livro que terão que ter a paciência de estudar. A matéria é uma falsidade do princípio ao fim, mas não há volta a dar, para atingirem os vossos mais altos objectivos. Têm que estudar. Se quiserem copiar é com vocês, não vou andar, feita toupeira, a fiscalizá-los, se quiserem trazer o livro e copiar, é uma decisão vossa, no entanto acho que devem começar a endireitar este país no sentido da honestidade, sim porque o nosso país é um país de bufos, de corruptos e de vigaristas. Não falo de vocês, jovens, falo dos homens da minha idade e mais velhos, em qualquer quadrante da sociedade. Nós temos sempre que mostrar o que somos, temos que ser dignos connosco para sermos dignos com os outros. Por isso, acho que não devem copiar. Há que criar princípios de honestidade e isso começa em vocês, os futuros homens e mulheres de Portugal. Não concordam? Bem, por hoje é tudo, podem sair. Vemo-nos na próxima aula. Espantoso. Quando ele terminou estava tudo lívido, sem palavras. Que fenómeno é este que aterrou em Setúbal? Já me esquecia de escrever. Esta ave rara, o nosso professor de Organização Política, chamava-se

JOSÉ AFONSO

Autor: Hélida Carvalho Santos

Nota adicional: A passagem pelo Liceu Setúbal, acontece depois de vários anos como professor, desde 1957 a 1964 em Portugal e de 1965 a 1967 em Moçambique. Mas em breve, alvo de perseguições políticas cada vez mais frequentes, é afastado compulsivamente do ensino pelo regime fascista. (ver "José Afonso - Um Olhar Fraterno", escrito por um dos seus irmãos, João Afonso dos Santos, Editorial Caminho, 2002)


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