O XUKALHO

Blogue para "axukalhar" as memórias...e não só.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

De Engenheiro a Médico



Há factos vividos por mim ao longo deste meu percurso de vida, que ao passá-los para o papel sinto que os revivo, com a mesma intensidade e lucidez como se tivessem acontecido ontem.
Viajando no tempo até aos anos 60. Estou em crer que foram dos anos mais ricos, não em tudo mas quase arriscaria a empregar a palavra “quase” tudo, na música, na independência cultural, cívica e sei lá quantas coisas mais…
Preparava-se o meu irmão para fazer o seu exame do 7º. Ano do Liceu o que o levaria depois, caso ficasse apto, a passar para a Faculdade.
Nunca seria problemático, porque como bom aluno que era, uma reprovação nunca se pôs como hipótese. Meu pai como sonhava que o filho fosse um Engenheiro (isto dos pais quererem sempre que os filhos sejam médicos ou engenheiros era e é natural, embora o meu nunca nos incutisse essas vaidades, sempre nos dizia que mais valia um bom sapateiro que um mau médico…) no entanto comprara-lhe um estojo de desenho do melhor que havia no mercado, sim, porque servir-lhe-ia para mais tarde.
Cá para nós, eu nunca vira o meu irmão como médico, recordo-me, no entanto, como transformara parte da nossa garagem num estúdio de experiências físicas, químicas e como me contratara como “ajudante de campo” para os seus estudos práticos de Ciências Naturais, eu que nunca tive apetência para ver sangue e ainda hoje sinto horror às batas brancas.
Mas como o meu irmão precisava duma ajudante , lá estava eu… Tinha que estudar uma rã e havia que a dissecar. Ainda me recordo dum frasco de compota vazio, bem lavado, onde metera previamente algodão embebido em clorofórmio, e de seguida instalara lá o animalzinho, tapando-o de seguida com uma rolha de cortiça.
Primeiro passo, anestesia, o resto não vos vou castigar com o andamento da operação, consequentemente a “paciente” não sobreviveu e o “médico” ficou com a marca do bisturi, porque a aselha da “contratada” não prendera bem a pata do batráquio.
Para quem vive em qualquer ponto do país a inscrição na Faculdade tinha que ser feita presencial, na capital, então Lourenço Marques (Maputo). E para lá partiu o nosso futuro engenheiro, com um fatinho todo “à maneira” para a “cidade grande”…para um jovem da sua idade 16 anos…a sua primeira viagem de avião “a solo” era uma aventura fantástica
.
No dia seguinte de manhã, bem cedo, sim, porque naquelas terras a vida começa às 7 horas da manhã, estávamos na sala de jantar, preparando-nos para tomar o “matabicho” = pequeno almoço e aguardando que o futuro universitário se apresentasse para o fazermos em conjunto, quando apareceu com aquele sorriso de boa disposição que sempre lhe conheci. Então o nosso pai perguntou:
- Filho, como correu ontem o teu dia? Tudo bem? Havia muitos colegas para Engenharia aqui da Beira?
- Não sei pai. È que eu não me inscrevi em Engenharia, senti que me chamava a Medicina e na verdade pai, este País precisa mais de Médicos do que Engenheiros.

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