O XUKALHO

Blogue para "axukalhar" as memórias...e não só.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

SEM PAPAS NA LÍNGUA.


O primeiro-ministro anunciou que íamos empobrecer, com aquele desígnio de falar "verdade", que consiste na banalização do mal, para que nos resignemos mais suavemente. Ao lado, uma espécie de contabilista a nível nacional diz-nos, como é hábito nos contabilistas, que as contas são difíceis de perceber, mas que os números são crus. Os agiotas batem à porta e eles afinal até são amigos dos agiotas. Que não tivéssemos caído na asneira de empenhar os brincos, os anéis e as pulseiras para comprar a máquina de lavar alemã. E agora as jóias não valem nada. Mas o vendedor prometeu-nos que... Não interessa.

Vamos empobrecer. Já vivi num país assim. Um país onde os "remediados" só compravam fruta para as crianças e os pomares estavam rodeados de muros encimados por vidros de garrafa partidos, onde as crianças mais pobres se espetavam, se tentassem ir às árvores. Um país onde se ia ao talho comprar um bife que se pedia "mais tenrinho" para os mais pequenos, onde convinha que o peixe não cheirasse "a fénico". Não, não era a "alimentação mediterrânica", nos meios industriais e no interior isolado, era a sobrevivência.

Na terra onde nasci, os operários corticeiros, quando adoeciam ou deixavam de trabalhar vinham para a rua pedir esmola (como é que vão fazer agora os desempregados de "longa" duração, ou seja, ao fim de um ano e meio?). Nessa mesma terra deambulavam também pela rua os operários e operárias que o sempre branqueado Alfredo da Silva e seus descendentes punham na rua nos "balões" ("Olha, hoje houve um ' balão' na Cuf, coitados!"). Nesse país, os pobres espreitavam pelos portões da quinta dos Patiño e de outros, para ver "como é que elas iam vestidas".

Nesse país morriam muitos recém-nascidos e muitas mães durante o parto e após o parto. Mas havia a "obra das Mães" e fazia-se anualmente "o berço" nos liceus femininos onde se colocavam camisinhas, casaquinhos e demais enxoval, com laçarotes, tules e rendas e o mais premiado e os outros eram entregues a famílias pobres bem- comportadas (o que incluía, é óbvio, casamento pela Igreja).

Na terra onde nasci e vivi, o hospital estava entregue à Misericórdia. Nesse, como em todos os das Misericórdias, o provedor decidia em absoluto os desígnios do hospital. Era um senhor rural e arcaico, vestido de samarra, evidentemente não médico, que escolhia no catálogo os aparelhos de fisioterapia, contratava as religiosas e os médicos, atendia os pedidos dos administrativos ("Ó senhor provedor, preciso de comprar sapatos para o meu filho"). As pessoas iam à "Caixa", que dependia do regime de trabalho (ainda hoje quase 40 anos depois muitos pensam que é assim), iam aos hospitais e pagavam de acordo com o escalão. E tudo dependia da Assistência. O nome diz tudo. Andavam desdentadas, os abcessos dentários transformavam-se em grandes massas destinadas a operação e a serem focos de septicemia, as listas de cirurgia eram arbitrárias. As enfermarias dos hospitais estavam cheias de doentes com cirroses provocadas por muito vinho e pouca proteína. E generalizadamente o vinho era barato e uma "boa zurrapa".

E todos por todo o lado pediam "um jeitinho", "um empenhozinho", "um padrinho", "depois dou-lhe qualquer coisinha", "olhe que no Natal não me esqueço de si" e procuravam "conhecer lá alguém".

Na província, alguns, poucos, tinham acesso às primeiras letras (e últimas) através de regentes escolares, que elas próprias só tinham a quarta classe. Também na província não havia livrarias (abençoadas bibliotecas itinerantes da Gulbenkian), nem teatro, nem cinema.

Aos meninos e meninas dos poucos liceus (aquilo é que eram elites!) era recomendado não se darem com os das escolas técnicas. E a uma rapariga do liceu caía muito mal namorar alguém dessa outra casta. Para tratar uma mulher havia um léxico hierárquico: você, ó; tiazinha; senhora (Maria); dona; senhora dona e... supremo desígnio - Madame.

Os funcionários públicos eram tratados depreciativamente por "mangas-de-alpaca" porque usavam duas meias mangas com elásticos no punho e no cotovelo a proteger as mangas do casaco.

Eu vivi nesse país e não gostei. E com tudo isto, só falei de pobreza, não falei de ditadura. É que uma casa bem com a outra. A pobreza generalizada e prolongada necessita de ditadura. Seja em África, seja na América Latina dos anos 60 e 70 do século XX, seja na China, seja na Birmânia, seja em Portugal.

Isabel do Carmo (Médica)

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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Carta aberta ao Primeiro Ministro Pedro Passos Coelho

Carta aberta ao Primeiro Ministro Pedro Passos Coelho

Excelência,

Dirijo-me a Vossa Excelência porque é o senhor que tem a incumbência de governar este nosso País.

Não pertenço nem sou simpatizante do seu partido nem me encontro inscrita em nenhum, embora assuma simpatizar pelo Socialista mas…nas últimas eleições não votei nele, assim como não votei no seu nem em si e tão só porque os projectos que apresentaram de modo algum eram fiáveis, não me agradou a sua campanha política porque como reza o ditado antigo “com papas e bolos se enganam os tolos” ou então “muito riso, pouco siso”, votei sim no Dr. Paulo Portas porque me mereceu entre todos a minha confiança.

Compreendo que o país neste momento precisa de sacrifícios, gastou-se mais do que se tinha, aceito eu e todos nós portugueses o desafio, mas parece-me senhor primeiro ministro que seria mais aceitável por todos que o exemplo viesse de cima também , como sabe não é o que se tem visto. Pede-se ao povo sacrifícios e o povo faz até porque ama o país que o viu nascer mas infelizmente continua a assistir à maneira desregrada que os ministros, deputados, gestores continuam a viver e a exibir sem pejo , pelas dificuldades em que todos nós pobres contribuintes enfrentamos no quotidiano a sua abastança.

Somos classificados de histéricos por um presidente da república, de ignorantes como classificou a melhor aluna do seu curso da faculdade e ainda sarcasticamente lhe faltou ao respeito, de “choramingas” a este povo que quando toca a auxiliar o vizinho está sempre pronto a dar as mãos ajudando os mais carenciados, quando os senhores são incapazes de esticar a mão a um pedinte e se limitam a esbanjar o pouco que nos é emprestado pela comunidade europeia e que temos que pagar com juros. Recordo os carros topo de gama que continuam a ser entregues “às altas individualidades”, os ordenados em duplicado de funcionários públicos, as mordomias que os senhores continuam a alimentar sem prescindir de nada e haveria muito mais que apontar e o senhor sabe-o bem.

Entre outras coisas o mais revoltante é que o senhor incentiva os nossos jovens à emigração para África. O senhor sabe porventura o que está a dizer e a apregoar??? Decerto que não, o senhor refere-se por certo aos que vão para África com contratos fabulosos ou com “cunhas” ou filiados nos partidos do Governo que foi esse o seu trajecto político como bem conhece. Deixe-me dizer-lhe senhor primeiro ministro que eu há menos de um mês fui a África, o avião ia cheio de jovens esperançados, sem emprego, com algum pecúlio para encetar uma nova vida, passei lá um mês e no regresso o avião vinha cheio de desiludidos e o pior é que muitos deles foram explorados até por empresários brancos. Que se queira ver livre de subsidiar os desempregados, faça-o de outra maneira, conheça primeiro o terreno e plante depois as flores. Claro que o senhor e todos senhores que o rodeiam não terão dificuldades de empregar a sua família, por certo que as suas filhas e enteada não irão passar por estas tribulações.

Em nome de todos os que pagamos religiosamente os nossos impostos e pagamos os ordenados dos governantes, por favor, não nos venha com o “conto do vigário”, seria mais honesto da sua parte que se calasse e não faça alarde do que não sabe, porque se todos os que foram para aqueles países africanos levando as suas poupanças, construindo o país que lá ficou (nomeio a agricultura no Vale do Limpopo por exemplo…) sem assegurar a continuidade dos seu povo não é digno de o representar. Se chamam a esses colonizadores então como classificam os que para lá vão agora com contratos fabulosos?

Haveria muito mais para escrever senhor primeiro ministro e o senhor entende que digo a verdade mas espero que com o tempo o senhor caia na realidade e guarde numa gaveta fechada a sete chaves essa sua demagogia.

A bem da Nação, Viva Portugal e que Vivam os Portugueses.

Maria Amélia Campos