O XUKALHO

Blogue para "axukalhar" as memórias...e não só.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

EM 56 DIAS DE GOVERNO SOCIALISTA DE FRANÇOIS HOLLANDE, VEJAM O QUE JÁ MUDOU NA FRANÇA

Isto é o que fez o socialista François Hollande (não palavras, mas... atos) em 56 dias de governo e no cargo de Presidente. Os dados que aqui constam são oficiais, e foram traduzidos do Le Monde :
- Suprimiu 100% dos carros oficiais e mandou que fossem leiloados; os rendimentos destinam-se ao Fundo da Previdência e destina-se a ser distribuido pelas regiões com maior número de centros urbanos com os suburbios mais ruinosos.
- Tornou a enviar um documento (doze linhas) para todos os órgãos estatais que dependem do governo central em que comunicou a abolição do "carro da empresa" provocativa e desafiadora, quase a insultar os altos funcionários, com frases como "se um executivo que ganha € 650.000/ano, não se pode dar ao luxo de comprar um bom carro com o seu rendimento do trabalho, significa que é muito ambicioso, é estúpido, ou desonesto. A nação não precisa de nenhuma dessas três figuras " . Fora os Peugeot e os Citroen. 345 milhões de euros foram salvos imediatamente e transferidos para criar (a abrir em 15 ago 2012) 175 institutos de pesquisa científica avançada de alta tecnologia, assumindo o emprego de 2560 desempregados jovens cientistas "para aumentar a competitividade e produtividade da nação."
- Aboliu o conceito de paraíso fiscal (definido "socialmente imoral") e emitiu um decreto presidencial que cria uma taxa de emergência de aumento de 75% em impostos para todas as famílias, líquidas, que ganham mais de 5 milhões de euros/ano. Com esse dinheiro (mantendo assim o pacto fiscal) sem afetar um euro do orçamento, contratou 59.870 diplomados desempregados, dos quais 6.900 a partir de 1 de julho de 2012, e depois outros 12.500 em 01 de setembro, como professores na educação pública.
- Privou a Igreja de subsídios estatais no valor de 2,3 milhões de euros que financiavam exclusivas escolas privadas, e pôs em marcha (com esse dinheiro) um plano para a construção de 4.500 creches e 3.700 escolas primárias, a partir dum plano de recuperação para o investimento em infra-estrutura nacional.
- Estabeleceu um "bónus-cultura" presidencial, um mecanismo que permite a qualquer pessoa pagar zero de impostos se se estabelece como uma cooperativa e abrir uma livraria independente contratando, pelo menos, dois licenciados desempregados a partir da lista de desempregados, a fim de economizar dinheiro dos gastos públicos e contribuir para uma contribuição mínima para o emprego e o relançamento de novas posições sociais.
- Aboliu todos os subsídios do governo para revistas, fundações e editoras, substituindo-os por comissões de "empreendedores estatais" que financiam acções de actividades culturais com base na apresentação de planos de negócios relativos a estratégias de marketing avançados.
- Lançou um processo muito complexo que dá aos bancos uma escolha (sem impostos): Quem porporcione empréstimos bonificados às empresas francesas que produzem bens recebe benefícios fiscais, e quem oferece instrumentos financeiros paga uma taxa adicional: é pegar ou largar.
- Reduzido em 32% os subsídios de todos os deputados e 40% os salários de todos os altos funcionários públicos que ganham mais de € 800.000 por ano (Dois milhões de Reais por ano, ou R$ 166.000 por mês). Com essa quantidade (cerca de 4 mil milhões) criou um fundo que dá garantias de bem-estar para "mães solteiras" em difíceis condições financeiras que garantam um salário mensal por um período de cinco anos, até que a criança vá à escola primária, e três anos se a criança é mais velha. Tudo isso sem alterar o equilíbrio do orçamento.

Resultado:
O spread com títulos alemães caiu, por magia.
A inflação não aumentou.

A competitividade da produtividade nacional aumentou no mês de
Junho, pela primeira vez nos últimos três anos.

domingo, 9 de setembro de 2012

A trapeira do Job

Se tiveres tempo e mais de 40 anos talvez gostes deste texto:
Isto que eu vou dizer vai parecer ridículo a muita gente.Mas houve um tempo em que as pessoas se lembravam, ainda, da época da infância, da primeira caneta de tinta-permanente, da primeira bicicleta, da idade adulta, das vezes em que se comia fora, do primeiro frigorífico e do primeiro televisor, do primeiro rádio, de quando tinham ido ao estrangeiro.
Houve um tempo em que, nos lares, se aproveitava para a refeição seguinte o sobejante da refeição anterior, em que, com ovos mexidos e a carne ou peixe restante, se fazia "roupa velha".
Tempos em que as camisas iam a mudar o colarinho e os punhos do avesso, assim como os casacos, e se tingia a roupa usada, tempos em que se punham meias-solas com protectores.
Tempos em que ao mudar-se de sala se apagava a luz, tempos em que se guardava o "fatinho de ver a Deus e à sua Joana
."E não era só no Portugal da mesquinhez salazarista. Na Inglaterra dos Lordes, na França dos Luíses, a regra era esta. Em 1945 passava-se fome na Europa, a guerra matara milhões e arrasara tudo

quanto a selvajaria humana pode arrasar.
Houve tempos em que se produzia o que se comia e se exportava. Em que o País tinha uma frota de marinha mercante, fábricas, vinhas, searas.Veio depois o admirável mundo novo do crédito.
Os novos pais tinham como filhos uns pivetes tiranos, exigindo malcriadamente o último modelo de mil e um gadgets e seus consumíveis, porque os filhos dos outros também tinham. Pais que se enforcavam por carrões de brutal cilindrada para os encravarem no lodo do trânsito e mostrarem que tinham aquela extensão motorizada da sua potência genital. Passou a ser tempo de gente em que era questão de pedigree viver no condomínio fechado, e sobretudo dizê-lo, em
que luxuosas revistas instigavam em couché os feios a serem bonitos, à conta de spas e de marcas, assim se visse a etiqueta, em que a beautiful people era o símbolo de status, como a língua nos cães para a sua raça.Foram anos em que o Campo se tornou num imenso ressort de Turismo de Habitação, as cidades.
Houve quem pensasse até que um dia os Serviços seriam o único emprego futuro ou com futuro. O país que produzia o que comíamos ficou para os labregos dos pais e primos parolos, de quem os citadinos se envergonhavam, salvo quando regressavam à cidade dos fins de semana com a mala do carro atulhada do que não lhes custara a cavar e às vezes nem obrigado
O país que produzia o que se podia transaccionar, esse, ficou com o operariado da ferrugem, empacotados como gado em dormitórios, e que os víamos chegar mortos de sono logo à hora de acordarem, as casas verdadeiras bombas-relógio de raiva contida, descarregada nos cônjuges, nos filhos, na idiotização que a TV tornou negócio.Sob o oásis dos edifícios em vidro, miragem de cristal, vivia o mundo subterrâneo de quantos aguentaram isto enquanto puderam, a sub-gente. Os intelectuais burgueses teorizavam, ganzados de alucinação, que o conceito de classes sociais tinha desaparecido. A teoria geral dos sistemas supunha que o real era apenas uma noção, a teoria da informação substituía os cavalos-força da maquinaria pelos megabytes de RAM da computação universal. Um dia os computadores tudo fariam, o Ser-Humano tornava-se um acidente no barro de um oleiro velho e tresloucado que, caído do Céu, morrera pregado a dois paus, e que julgava chamar-se Deus, confundindo-se com o seu filho e mais uma trinitária pomba.
Às tantas, os da cidade começaram a notar que não havia portugueses a servir à mesa, porque estávamos a importar brasileiros, que não havia portugueses nas obras, porque estávamos a importar negros e eslavos.
A chegada das lojas-dos-trezentos já era alarme de que se estava a viver de pexisbeque, mas a folia continuava. A essas sucedeu a vaga das lojas chinesas, porque já só havia para comprar «balato». Mas o festim prosseguia e à sexta-feira as filas de trânsito em Lisboa eram o caos e até ao dia quinze os táxis não tinham mãos a medir
Fora disto, os ricos, os muito ricos, viram chegar os novos ricos. O ganhão alentejano viu sumir o velho latifundário absentista pelo novo turista absentista com o mesmo monte mais a piscina e seus amigos, intelectuais, claro, e sempre pela reforma agrária, e vai um uísque de malte, sempre ao lado do povo, e já leu o New Yorker?A agiotagem financeira, essa, ululava. Viviam do tempo, exploravam o tempo, do tempo que só ao tal Deus pertencia, mas, esse, Nietzsche encontrara-o morto em Auschwitz. Veio o crédito ao consumo, a Conta-Ordenado, veio tudo quanto pudesse ser o ter sem pagar. Porque nenhum Banco quer que lhe devolvam o capital mutuado, quer é esticar ao máximo o lucro que esse capital rende.Aguilhoando pela publicidade enganosa os bois que somos nós todos, os Bancos instigavam à compra, ao leasing, ao renting, ao seja como for desde que tenha e já, ao cartão, ao descoberto-autorizado.
Tudo quanto era vedeta deu a cara, sendo actor, as pernas, sendo futebolista, ou o que vocês sabem, sendo o que vocês adivinham, para aconselhar-nos a ir àquele Balcão bancário buscar dinheiro, vendermo-nos ao dinheiro, enforcarmo-nos na figueira infernal do dinheiro. Satanás ria. O Inferno começava na terra.
Claro que os da política do poder, que vivem no pau de sebo perpétuo do fazer arrear, puxando-os pelos fundilhos, quantos treparam para o poder, querem a canalha contente.
E o circo do consumo, a palhaçada do crédito servia-os. Com isso comprávamos os plasmas mamutes onde eles vendiam à noite propaganda governamental e, nos intervalos, imbelicidades e telefofocadas, que entre a oligofrenia e a debilidade mental a diferença é nula. E, contentes, cretinamente contentinhos, os portugueses tinham como tema de conversa a telenovela da noite, o jogo de futebol do dia e da noite e os comentários políticos dos "analistas" que poupavam os nossos miolos de pensarem, pensando por nós.
Estamos nisto.
Este fim-de-semana a Grécia pode cair. Com ela a Europa.
Que interessa? O Império Romano já caiu também e o mundo não acabou. Nessa altura, em Bizâncio, discutia-se o sexo dos anjos. Talvez porque Deus se tivesse distraído com a questão teológica, talvez porque o Diabo tenha ganho aos dados a alma do pobre Job na sua trapeira. O Job que somos grande parte de nós.

José António Barreiros, advogado

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O Titanic do Ocidente:

Nos anos 70, quando Ana Salazar lançou a sua linha de roupa preta para senhora, achei que iria ser um tremendo fiasco.
Quem é que, num país do Sul, quereria andar todo vestido de preto? Na altura eu acabara de concluir o curso de Arquitectura na Escola de Belas-Artes, ia com frequência a Paris, fascinava-me com os impressionistas – Renoir, Van Gogh, Cézanne, Monet, Modigliani, Gauguin – e não podia perceber como é que se renegava a cor no vestuário feminino. Não era mais bonito ver as mulheres, sobretudo as jovens, vestidas com roupa alegre de cores garridas do que enfiadas em trajes de luto?
Ontem, 40 anos depois do aparecimento de Ana Salazar, passava eu por uma loja de roupa, olhei distraidamente para dentro e o que vi? Manequins vestidos integralmente de negro. E numa loja de homem que havia em frente, o que dominava a montra? Fatos pretos.
Muito perto da sede deste jornal existe uma loja ‘gótica’. Assim, pelas redondezas, circulam constantemente jovens vestidos de negro – que além disso usam em geral piercings e tatuagens, e têm esotéricos cortes de cabelo, a imitar os índios apaches ou os cabeças-rapadas. Os piercings podem ser na língua, nos lábios, nas orelhas, no umbigo ou até no sexo. Os rapazes e raparigas assim ataviados parecem caricaturas saídas de tribos primitivas.
A nossa civilização atingiu uma tal sofisticação que começou a ser difícil avançar mais – e, aí, entrou-se no retrocesso ou no caminho do absurdo. Há quem compre roupa rota nas lojas de roupa nova. Roupa rota que custa mais caro do que a nova. Cansámo-nos do luxo – e o luxo máximo tornou-se a ‘negação do luxo’. Mas uma negação que tem de ser notória: os jovens não compram jeans usados, compram jeans novos a imitar os usados mas percebendo-se que são novos.
O vestuário negro e desengraçado é um dos sinais anunciadores da crise que atinge o Ocidente.
Rejeita-se a cor, que reflecte vitalidade e alegria. As únicas ‘cores’ que se aceitam não são cores: são o preto, o cinzento e o branco. As cores desapareceram. E na decoração sucede a mesma coisa: entra-se numa casa e é tudo branco. Ou é tudo preto e cinzento. O uso das cores vivas passou a ser ‘piroso’. Ao que chegámos!
Falo da cor porque é uma realidade muito visível de uma mudança inexorável que está em curso: a decadência da nossa civilização. Uma civilização que teve uma ascensão, um apogeu e entrou em declínio.
Um declínio que é patente em todas as áreas: a desagregação da família, a deterioração da autoridade, o aumento da indisciplina, os desvios sexuais, o crescimento do consumo de drogas, a proliferação de gangues suburbanos, a perda de valores e referências positivas, o abaixamento cultural, etc.
Comecemos por aqui, pela cultura. Já não falo da ‘cultura’ difundida pelas televisões – e que tem os seus exemplos mais acabados em programas tipo Big Brother ou Casa dos Segredos. São protótipos abjectos, que puxam a sociedade para baixo.
Mas a própria cultura ‘respeitada’ (ou mesmo venerada) pelos críticos atinge mínimos inconcebíveis. Depois da grande pintura clássica renascentista como conceber um quadro todo negro? E se ainda fosse só um… Mas em todos os museus de arte contemporânea se vêem exemplares desses.
E, ao lado de uma escultura de Leonardo da Vinci ou mesmo de Rodin, o que dizer da ‘instalação’ de Cabrita Reis à porta dos Jerónimos constituída por pneus velhos pendurados numa armação de ferro?
E como classificar um filme sem imagens, como o de João César Monteiro, ao lado de uma obra de Orson Welles ou Visconti?
E alguém se ocupou a comparar uma sinfonia de Beethoven com os novos batuques que nos massacram os ouvidos na rádio?
Mas, repito: nada disto são casos isolados – são todos sintomas do mesmo mal e todos concorrem no mesmo sentido. Todos fazem parte do mesmo puzzle, que tem um nome: decadência.
O quadro de valores e de referências em que nos movemos mudou radicalmente.
A família, por exemplo, deixou de ser uma instituição a preservar. A percentagem de divórcios já iguala a de casamentos. Só que isto, aplaudido por alguns, é um drama tremendo para a esmagadora maioria.
A família é o primeiro veículo de integração de um indivíduo na sociedade. E o primeiro apoio de que um indivíduo dispõe em situações adversas, quer ao nível material quer no plano afectivo. A família é uma rede – que ampara o indivíduo quando cai, como ampara o trapezista quando falha o trapézio. A destruição da família entrega as pessoas a si próprias, ainda por cima num ambiente muito competitivo como é a selva urbana em que se tornaram as grandes cidades – e daí as depressões, as exclusões, os suicídios, que aumentam regularmente.
A família também é essencial para o crescimento equilibrado das crianças. É a família que lhes oferece um ambiente estável e lhes transmite segurança. Uma sociedade de famílias desestruturadas começa a produzir crianças problemáticas.
A legalização dos casamentos gay, com a aceitação explícita de casais estéreis, foi mais um sinal do esvaziamento da ideia de ‘família’ nos tempos que correm.
E os problemas das famílias prolongam-se nas escolas, sendo responsáveis por fenómenos como a indisciplina nos estabelecimentos de ensino, que se tornou uma praga. Assistimos a alunos a agredirem professores em plena sala de aula – o que não devia sequer poder passar pela cabeça dos alunos, quanto mais poder acontecer.
E a seguir vêm as drogas, o consumo crescente de drogas, com o seu rosário de problemas. Drogas que têm como objectivo explícito a alienação, a fuga à realidade, a marginalização do quotidiano. E depois temos as inscrições nas paredes, os gangues suburbanos, o aumento da criminalidade.
E assistimos ainda ao aumento dos desvios sexuais: multiplicam-se os travestis, os transexuais, as trocas de casais (o swing), para já não falar da pedofilia.
A ostentação da homossexualidade tornou-se também uma moda. Em Paris, jovens homossexuais descem o Boulevard Saint Michel ou os Campos Elíseos de malas femininas penduradas nos braços imitando as senhoras.
Todos os sinais aqui apontados, repito, são peças de um mesmo puzzle e são típicos das sociedades em crise. E não adianta fechar os olhos nem vale a pena lutar contra o inelutável.
Os economistas, os financeiros, os políticos esmifram-se a procurar ‘saídas para a crise’. Mas a crise não tem saída porque a questão não é económica e financeira: a crise económica e financeira em que estamos mergulhados é apenas um dos sintomas do descalabro geral.
Já percebemos que temos de nos habituar a viver com menos. Mas o grande problema não é esse. Antes fosse...
O grande drama é que o mundo onde cada um de nós julgava que iria viver sempre entrou numa decomposição acelerada. O barco onde navegámos durante séculos chegou ao fim do prazo de validade e está a afundar-se.
E isso vê-se em tudo. Basta abrir os olhos. Vê-se no afundamento cultural – com a desqualificação da pintura, da escultura, da literatura e da música. Vê-se na desvalorização do casamento e na desagregação da família. Vê-se na deterioração da autoridade e da disciplina, particularmente nas escolas. Vê-se nos desvios sexuais, na proliferação das drogas, na perda de valores e de referências positivas.
E tudo isto é simbolizado pelos jovens com os quais comecei este artigo: esses jovens vestidos de preto, com a pele furada por argolas e manchada por tatuagens, que parecem os corvos anunciadores da desgraça. Aves de mau agoiro.
por José António Saraiva, Director do Semanário O SOL, 7 /11/ 2011