O XUKALHO

Blogue para "axukalhar" as memórias...e não só.

segunda-feira, 28 de março de 2011

MOMENTO DE POESIA




A BACO


Vou-te cantando, Baco!

Não pela colheita de hoje, que é pequena,

Mas pela de amanhã, muito maior!

Vou-te pondo nos cornos estas flores,

Que não querem ser líricas nem puras,

Mas humanas, sinceras e maduras.

Vou-te cantando, e vou cantando o sol,

A terra, a água o lume e o suor.

Vou erguendo o meu hino

Como levanta a enxada o cavador.

Lá nesse Olimpo em geios,

Único Olimpo etério em que acredito,

Aí me prosterno, rendo e te repito

Que és eterno,

Mais do que Deus e mais do que o seu mito.

Beijo-te os pés - os cascos de reixelo;

Olho-te os olhos de pupila em fenda;

E sabendo que és fauno, ou sátiro ou demónio,

Sei que não és mentira nem és lenda!

Dionisio do Douro!

Pêlos no púbis como um homem,

Calos nas mãos ossudas!

E bêbedo de mosto e de alegria,

À luz da negra noite e do claro dia.

Cachos de alvarelhão de cada lado

Da marca universal da natureza.

Ela, roxa e retesa

Como expressão da vida.

A beleza

Sempre no seu lugar, erguida!

E folhas de formosa pelos ombros,

Pelos rins, pelos braços,

Por onde a seiva rasga o seu caminho.

E a cabeça coberta

De cheiro a sémen e a rosmaninho.

Modula a sensual respiração

Do arcaboiço fundo do seu peito

Uma flauta de cana alegre e musical.

E és humano,

Quanto mais és viril e animal!


Eis os meus versos, pois, filho de Agosto

E dos xistos abertos.

Versos que não medi, que não contei,

Mas que estão certos

Pela sagrada fé com que tos dei!



Miguel Torga

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